domingo, 28 de junho de 2009
Rio, 06/12/2006 (a pedido da Rê)
Meu pai viveu 33 anos comigo, quando eu nasci ele tinha 30. É uma pessoa (ainda e sempre será) alegre, fiel, sempre lutou pelos mais fracos. Lembro quando, na festa dos meus 15 anos, ele escreveu no livro de presenças que aquela festa não era para representar o que eu podia ter, mas para me mostrar o que muitos não podiam ter e que estes eu deveria sempre olhar e defender. É exemplo de garra, de atitude positiva, de justiça. Engenheiro de formação, mas multi-outras-coisas também, fazia esculturas, restaurava carros antigos, pintou muitos quadros, fotografou-nos quando crianças... um homem multi do qual eu me orgulho muito e sinto muito sua perda tão cedo.
Tudo ficou no mesmo lugar. No outro dia eu tinha a sensação de que ele logo chegaria falando alto, rindo, contando causos, mostrando coisas... Por quê? Porque suas ‘coisas’ ainda estavam ali, nos mesmos lugares que ele as havia deixado....
Mas eu participei de toda despedida! Como posso sentir que ele não foi, se quando eu telefono pra casa ele nunca atende? Se não posso mais mostrar fotos? Se não posso mais ouvir sua voz? Ou vê-lo mostrar suas ‘coisas’?
É muito difícil acreditar que as coisas estão lá e a pessoa não. Seus sapatos, camisas, calças, escova de dente, travesseiro, carteira de identidade, CPF, título de eleitor, a própria carteira de documentos... Tudo no mesmo lugar, inanimados.
As pessoas são as coisas que elas usam e têm. Os objetos são continuações das pessoas, parece que quando eles estão ali, seus usuários logo chegarão para usá-los e fazer com que tenham vida.
Como pode tudo estar no mesmo lugar e a única ‘coisa’ que falta é a pessoa para que tudo continue como era antes da triste notícia?
Peter Stallybrass tem razão quando diz que as roupas recebem a marca humana, mas eu ainda diria que elas recebem mais do que isso, mais do que a marca, as roupas recebem e mantêm vivas as pessoas... As roupas vivem quando estão em uso, quando vestem um corpo com frio ou quando são vestidas para melhorar o visual de alguém... E também quando são doadas e recebidas com tanta alegria por alguém...
O simples ‘mudar as coisas de lugar’ faz com que pareça que entramos numa nova fase. A sala de TV que era branca foi pintada de lilás, o sofá da sala da TV onde meu pai assistia seus preferidos programas, mudou-se para a sala de estar, ali o sofá tem a mesma função de uso: receber as pessoas que querem sentar-se, mas não tem mais a mesma função social: meu pai não deita mais ali para assistir TV. Não é mais o mesmo sofá!
O fato de mudarmos os objetos de lugar tem um motivo precioso: ajudar-nos a entender que o uso dos objetos de maneira diferente da qual eram usados e dispostos pela pessoa que morreu, pode mudar também seu significado. Ainda que mantenham a memória e a marca da pessoa, diminui aquela imagem tão saudosa.
Nós é que definimos o uso e a vida dos objetos e das coisas que nos cercam.